Entrevista com o Pr. Ricardo Gondim


Há 25 anos é pastor da Assembléia de Deus Betesda, na capital paulista, exercendo sua presidência nacional e cuidando de seu rebanho local. Seu ministério recebe apoio da esposa, Silvia Geruza, pastora e psicóloga, com quem é casado há 29 anos, e dos filhos Carolina, Cynthia e Pedro, sendo já avô de Felipe Naran e Gabriela. Já escreveu 16 livros e é também um atleta, correndo em várias maratonas.


Nascido em Fortaleza (CE), Gondim passou a maior parte de sua infância em Londrina (PR). Como seu pai era da Força Aérea Brasileira, era constantemente transferido e, com ele, a família. Formou-se em Administração de Empresas e cursou Teologia no Gênesis Training Center, nos EUA.


É perfeitamente correto dizer que Gondim é um pensador que exerce pressão sobre a Igreja Evangélica contemporânea, tão desgastada por mazelas, incoerências, limitações. Ele cobra posturas e ações que possibilitem a prática do verdadeiro cristianismo.



ENFOQUE - Sendo um pastor pentecostal, como concilia, em sua fé, a razão e a emoção?


RICARDO GONDIM - Não vejo dificuldade em conciliar fé, razão e emoção. Não acredito na possibilidade de se “departamentalizar” nossa humanidade. Somos seres integrais. Não há áreas autônomas em nossa natureza. Por isso, temos sede do sobrenatural ao mesmo tempo em que buscamos o saber, e vivemos intensamente nossas emoções. E isso se aplica tanto para o exercício da religião como para o exercício da racionalidade.



ENFOQUE - Sua igreja ainda é uma igreja pentecostal, uma vez que sua liturgia e perfil de membresia parecem distintos da maioria das Assembléias de Deus?


RICARDO GONDIM - O que define uma igreja pentecostal é sua teologia, e não liturgia ou perfil de membresia. Nossa teologia tem raízes no pentecostalismo clássico, portanto, somos pentecostais. Já fomos mais diferentes da Assembléia de Deus, mas ela vem se atualizando bastante. Novos líderes perceberam a importância de saberem dialogar com a cultura. Caso não fizessem isso, deixariam a denominação se afogar no fosso do anacronismo. As Assembléias de Deus dos grandes centros urbanos já não são tão legalistas e asfixiantes como há dez anos.



ENFOQUE - O que é ser protestante nos dias de hoje? A idéia de um concílio para essa definição é válida?


RICARDO GONDIM - Considero inválida qualquer tentativa de se organizar um concílio para definir o perfil protestante, porque as tendências e os perfis teológicos que se ramificaram a partir da Reforma Luterana no século XVI são tão múltiplos e variados que isso seria impossível. Vejo como viável os grupos se organizarem em torno de temas para debaterem e escreverem suas propostas teológicas e eclesiásticas.



ENFOQUE - Seus textos expressam certo cansaço e frustração com o meio evangélico. O que gostaria de propor?


RICARDO GONDIM- Estou realmente cansado com a infantilização dos auditórios, com as vaidades de lideranças, com as disputas políticas em cúpulas denominacionais e com os mercadejadores da Palavra de Deus. Contudo, não estou existencialmente cansado. Nunca estive tão feliz com minha família, congregação local e amigos. Venho “re-significando” alguns pressupostos teológicos meus e estou fascinado com o amor e a graça de Deus.



ENFOQUE - Na sua opinião, do que as igrejas evangélicas hoje mais precisam?


RICARDO GONDIM - As igrejas precisam fazer o dever de casa; e ele é hermenêutico. Não bastam as exegeses corretas se o uso do texto bíblico tem sido danificado. As intermináveis campanhas para se “conseguir” alguma bênção mostram que há uma influência pagã na interpretação dos textos bíblicos.A pressão para ser grande mostra como a influência do mundo tem se tornado mais forte que a Palavra.O fascínio com o poder político e com as riquezas mostra como a influência do diabo vem obscurecendo os olhos dos crentes.


ENFOQUE - E os pastores?


RICARDO GONDIM - Precisamos urgentemente meditar no significado mais profundo do que Jesus nos quis ensinar quando lavou os pés dos seus discípulos. O crescimento numérico das igrejas e seu prestígio político, econômico e social tem sido fonte de tentação para muitos pastores que ficam iludidos com títulos. Outros comportam-se como novos ricos. Muitos líderes vieram de camadas sociais pobres, mas, de repente, passaram a lidar com verdadeiras fortunas. Lamentavelmente, não suportaram as pressões e se iludiram com suas conquistas. Enxergam-se como “ungidos especiais” de Deus. Contudo, os pastores precisam se lembrar que não foram chamados para serem importantes, mas a escória do mundo; eles devem considerar que liderar o rebanho de Deus não significa status, mas responsabilidade. Não fomos chamados para sermos servidos, mas para servir.



ENFOQUE - O que acha que um pastor deve pregar hoje?


RICARDO GONDIM - Os pastores devem pregar mais a Bíblia. Infelizmente, os sermões, em sua grande maioria, são tópicos. Em outras palavras, os pastores lêem o texto bíblico apenas como pretexto e dizem o que querem, geralmente sem a menor conexão com o que foi lido. As igrejas não precisam de mais superstição, mais mensagens de auto-ajuda e mais historinhas bonitinhas, mas de Bíblia. Chega de contar ilustração e testemunhos, precisamos da Palavra.



ENFOQUE - Acha que os pastores são hoje omissos com relação à realidade política do país?


RICARDO GONDIM - Não. Acho apenas que os pastores são politicamente despreparados. Por isso são presas fáceis das raposas políticas que sabem manipular para proveito próprio. O embate político não é para ingênuos, a história da humanidade prova isso. Quanto mais aqui no Brasil, onde a máquina está nas mãos de uma elite centenária.


ENFOQUE - Por que decidiu ser um maratonista e dedicar-se à saúde física?


RICARDO GONDIM - Já corri 8 maratonas completas e 15 vezes a São Silvestre por puro prazer. Gosto de correr porque aprendo a disciplinar meu corpo, mente e espírito. Quando corro, tenho a oportunidade de ficar só, meditar, orar. Quem já correu uma maratona completa(42 km e 195 metros) sabe da emoção de cruzar a faixa de chegada. Sinto que Deus fica feliz quando me contempla feliz.



ENFOQUE - Que autores já leu?


RICARDO GONDIM - Na literatura brasileira sou leitor de Machado de Assis, José Lins do Rego, Graciliano Ramos. Na teologia, gosto de Abraham Joshua Heschel, Henry Nouwen, Philip Yancey, Juan Luis Segundo, Orlando Costas, G. K. Chesterton. Na poesia, sou atraído por Vinícius de Moraes, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade. Gosto das crônicas do Frei Betto. Na literatura mundial, leio Dostoievski, Thomas Mann. Gosto muito de biografias e considero Chatô – O Rei do Brasil, escrito por Fernando Moraes, um clássico.



ENFOQUE - Que sonhos tem ainda?


RICARDO GONDIM - Estou com 52 anos e meus sonhos hoje são menos heróicos e mais humanos. Sonho em viver em comunidades onde haja mais humanidade, com gente honesta para encarar suas sombras e menos paranóica em sua relação com Deus. Quero ver mais cristãos amando a justiça, menos gananciosos, mais doces, menos implacáveis com os fracos e mais cheios de graça e verdade, como foi Jesus.



ENFOQUE - Você já escreveu que sente necessidade de se distanciar do movimento evangélico. Isso ainda é verdade? Por quê?


RICARDO GONDIM - Sim, há um segmento mais visível, porque muito presente na mídia, com o qual não quero mais me identificar.Não partilho de suas metas de “fazer do Brasil um país evangélico”, pois as considero triunfalistas e messiânicas; não gosto do uso de textos do Antigo Testamento dirigidos a Israel no período anterior ao exílio babilônico para justificar “que somos cabeça e não cauda”; não sei fazer da oração uma técnica para “conseguir bênçãos”. Isso sem mencionar minhas enormes restrições à ética de largos setores evangélicos que me deixa nervoso cada vez que abro o jornal – morro de medo de que em cada nova operação a Polícia Federal prenda apóstolos, bispos, missionários e pastores. Assim, sem afinidades e sem identidades, não quero ser parte desse movimento evangélico, embora queira muito ser seguidor de Jesus e pregador do Evangelho.O movimento evangélico já não existe mais. Existem vários movimentos evangélicos. O termo “evangélico” possui um espectro tão largo, ele é um guarda-chuva tão abrangente, que perdeu sua identidade mínima. O que é ser evangélico? Eis uma pergunta pertinente e de dificílima resposta. Não basta citar um catecismo mínimo, como aqueles que as igrejas antigamente imprimiam em seus jornais. O que as igrejas evangélicas praticam em seus cultos, muitas vezes, são conflitantes. Muitos pastores, eu jamais convidaria para pregar em minha igreja, e sei que muitos pastores nunca me convidariam para sequer visitar suas igrejas. Portanto, se não nos identificamos e não temos coragem de repartir o púlpito, como podemos nos considerar participantes de um mesmo movimento?



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2 comentários:

  1. Concordo em gênero, número e grau com o Pr. Gondim, em relação à realidade da igreja hoje.

    Creio que ele seja um dos primeiros que o Pai está levantando para fazer essa diferença nos últimos minutos da igreja na terra...

    Como ele, também faço das dele as minhas palavras quando digo que "estou realmente cansado com a infantilização dos auditórios, com as vaidades de lideranças, com as disputas políticas em cúpulas denominacionais e com os mercadejadores da Palavra de Deus." Também "Não partilho de suas metas de “fazer do Brasil um país evangélico”, pois as considero triunfalistas e messiânicas; não gosto do uso de textos do Antigo Testamento dirigidos a Israel no período anterior ao exílio babilônico para justificar “que somos cabeça e não cauda”; não sei fazer da oração uma técnica para “conseguir bênçãos”. Isso sem mencionar minhas enormes restrições à ética de largos setores evangélicos que me deixa nervoso cada vez que abro o jornal – morro de medo de que em cada nova operação a Polícia Federal prenda apóstolos, bispos, missionários e pastores. Assim, sem afinidades e sem identidades, não quero ser parte desse movimento evangélico, embora queira muito ser seguidor de Jesus e pregador do Evangelho."

    Deus dê-nos graça para fazermos a diferença e vivermos o verdadeiro Evangelho do Senhor Jesus Cristo, que pratica a graça e a verdade.

    Amém.

    Sola Dei Gloria!

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  2. Olá!
    Excelente a entrevista com o Pastor Ricardo Gondim, pois me despertou para vários pontos com relação a igreja evangélica como um todo.
    Abraço
    Rita

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