TEXTOS MAL INTERPRETADOS (III)


JESUS PREGOU AOS ESPÍRITOS EM PRISÃO?


No qual também foi e pregou aos espíritos em prisão...” (I Pe. 3:19)


Qual é o sentido de IPe. 3.19, que se refere à pregação de Cristo aos espíritos em prisão no Hades? Pregou Cristo a eles, dando-lhes a oportunidade de salvar-se, após terem morrido? Se examinarmos essa sentença cuidadosamente, em seu escopo total, descobriremos que a passagem não ensina tal coisa — pois contrariaria Hb. 9:27 - “... aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo”.


Na versão NASB, IPe. 3:18-20 foi traduzido assim: Porque Cristo morreu pelos pecados, de uma vez por todas, o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus, tendo sido sentenciado à morte na carne, mas vivificado no espírito; no qual ele foi também e fez proclamação aos espíritos agora na prisão, que outrora foram desobedientes, quando a paciência de Deus esperou nos dias de Noé, durante a construção da arca, pela qual uns poucos, isto é, oito pessoas, se salvaram das águas. Observamos, pela tradução acima, que o verbo que se traduz por pregou em King James Version não equivale ao grego euangelizomai (“pregar ou levar boas-novas”), que certamente significaria que depois de sua crucificação Cristo realmente levou uma mensagem de salvação às almas perdidas no Hades; antes, o verbo é ekëryxen, derivado de kërysso (“proclamar uma mensagem”, da parte de um rei ou potentado). O que o v. 19 diz na verdade é que Cristo fez uma proclamação às almas que estavam aprisionadas no Sheol ou Hades.


Há duas possibilidades para o conteúdo dessa proclamação:

1º) a proclamação feita pelo Cristo crucificado no Hades a todas as almas dos mortos pode ter sido essa: o preço do pecado havia sido pago, e todos os que haviam morrido na fé deveriam aprontar-se para subir ao céu, o que ocorreria logo, no domingo da ressurreição.

2º) a proclamação poderia dizer respeito àquela urgente advertência que Noé havia feito à sua própria geração, no sentido que se refugiassem na arca, antes que o grande dilúvio destruísse toda a raça humana.


Dessas duas opções, a primeira diz respeito a uma ocorrência real (cf. Ef. 4:8); essa proclamação teria sido feita a todos os habitantes do Hades, em geral, ou então só aos redimidos, em particular. Mas a segunda, significa que Cristo, mediante o Espírito Santo solenemente advertiu os contemporâneos de Noé, por meio do próprio Noé (conforme descrição em II Pe. 2:5) como pregador ou arauto da justiça.


Portanto, parece-nos muito evidente que a passagem discutida nos assegura que até mesmo naqueles tempos antigos, nos dias de Noé, quando o Senhor estava em estado de pré-encarnação, o Verbo estava interessado na salvação dos pecadores. Assim é que o ato pelo qual a família de Noé se salvou mediante a arca foi um evento profético, apontando para a provisão graciosa de Deus pela expiação substitutiva numa cruz de madeira — à semelhança do instrumento de livramento, a arca, que salvou Noé do julgamento divino sobre a humanidade culpada. Em ambos os casos apenas os que pela fé se refugiam no meio de salvação proposto por Deus podem livrar-se da destruição.


Esse relacionamento entre tipo/antítipo é equacionado com clareza em IPe. 3:21 - “a qual, figurando [ARA traduz assim antitypon] o batismo, agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia da carne, mas a indagação [epërótëma] de uma boa consciência para com Deus, por meio da ressurreição de Jesus Cristo”. Em outras palavras, o arrependimento do pecado e a confiança só em Cristo, para a salvação com base em sua expiação e ressurreição, são os elementos que suprem o livramento do pecador culpado e tornam possível que esse obtenha “uma boa consciência”, com base na convicção de que todos os seus pecados foram pagos completamente pelo sangue de Jesus.


Diante das conjecturas podemos pressupor que:

1º) Jesus desceu ao Hades e proclamou a sua vitória ou...

2º) Podemos concluir também que a proclamação a que se refere o v. 19 ocorreu, não quando Cristo desceu ao Hades, após sua morte no Calvário, mas em Espírito, o qual falou pela boca de Noé, durante aqueles anos em que a arca era construída (v. 20). Portanto, uma coisa é certa, o v. 19 nenhuma esperança oferece de uma “segunda oportunidade” para aqueles que rejeitaram Cristo durante sua vida aqui na Terra.


FONTE: CACP - Extraído do livro "Céu e Inferno" do Prof. João Flávio Martinez

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2 comentários:

  1. Irmã, ao ler sua postagem, percebi que o texto continua sendo mal interpretado - mesmo pelo irmão. acontece que o texto não está falando de supostos espíritos de pessoas que morreram antes e no dilúviu. O texto fala dos espíritos angélicos que pecaram naqueles tempos, por cometerem fornicação com as mulheres (leia Gênesis 6:1-10). Deus os 'prendeu' para aguardarem o julgamento.

    A mensagem que o Cristo fora pregar a eles, certamente, teria sido a mesma mensagem para nós: 'boas novas de paz' e 'boas novas de reconciliação'.

    Como se explica isso?

    Leia sobre isso no meu estudo pessoal da bíblia de hoje, 10 de janeiro de 2011, no meu blog.

    Wandrey

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  2. Querido, que bom que comentou!

    Mas... entendo que em Gen 6 os "filhos de Deus" eram homens descendentes da linhagem de Sete, ou seja, daqueles que tinham se mantido fiéis a Deus (Gn 5). As "filhas dos homens" seriam mulheres da ímpia linhagem de Caim (Gn 4:17-24). Essa maneira de interpretar este texto tem sido muito comum no meio cristão desde os tempos patrísticos.
    Os principais argumentos a favor dessa interpretação são:
    Primeiro, homens eram também chamados de "filhos de Deus" na Bíblia (Êx 4:22, 23; Dt 14:1; 32:5,6; Sl 73:15; 82:6; Os 1:10; Ml 1:6).

    Segundo, não há nenhuma referência na Bíblia que apóie a idéia de que anjos ou demônios sejam seres dotados de funções sexuais, enquanto que o contrário é expressamente declarado em Mateus22:30.


    A idéia, mesmo de sexo em relação a Deus ou os anjos, é algo totalmente alheio ao pensamento hebraico.

    Terceiro, no contexto que precede o capítulo 6, a família de Sete é diferenciada da família de Caim num plano religioso. Os Setitas eram aqueles que invocavam "o nome do Senhor" (Gn 4:26); enquanto que os Caimitas eram os descendentes de uma linhagem ímpia (Gn 4:17-24).

    Quarto, a expressão "tomar mulher" (lâqach yishshâh) é uma expressão comum no AT para o casamento e não denota nenhuma relação anormal entre anjos e seres humanos. Quinto, o vs. 3 deixa claro que o juízo divino concernia o ser humano somente.

    Se os "filhos de Deus" eram anjos, alguma referência de juízo sobre eles deveria aparecer no texto também. No entanto, o juízo cai somente sobre os homens. Portanto, o texto parece indicar que somente a humanidade esteve envolvida na falta que foi cometida.

    Volte sempre.

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