O estranho hábito de sufocar a piedade e diminuir a devoção a Deus




Uma das acusações de Elifaz ao seu amigo Jó foi contundente: “Você sufoca a piedade e diminui a devoção a Deus” (15.4). A reprimenda foi severa demais, injusta e inoportuna, à luz do contexto. Mas ela pode ser muito justa e necessária em outros casos. Quem não gasta tempo para ouvir a voz de Deus por meio do Espírito Santo, por meio das Escrituras, por meio da boa consciência e por meio do arrependimento está de fato depreciando a devoção devida a Deus. Quem não se demora em oração na presença do Senhor está definhando e destruindo seu sentimento religioso.
Nenhum crente consegue sobreviver sem os exercícios devocionais. São eles que ligam a criatura ao Criador, o pecador ao Deus Santo, o ignorante ao Pai das luzes (Tg 1.17), o arrependido ao Perdoador (Sl 99.8), o salvo ao Salvador, o redimido ao Redentor, o aflito àquele que é “auxílio sempre presente na adversidade” (Sl 46.1).
A adolescente que reprime sistematicamente a vontade de comer para não engordar pode morrer de anorexia. Assim também qualquer pessoa que não satisfaz sua fome e sede interior de Deus acaba perdendo por completo e definitivamente seu interesse por ele. Enquanto Elifaz condena o apagão de Jó no que diz respeito à piedade, Paulo encoraja: “Exercite-se na piedade”, pois “o exercício espiritual tem valor para tudo porque o seu resultado é a vida, tanto agora como no futuro” (1 Tm 4.8, NTLH).
Para reforçar a sua observação, Elifaz interroga o homem da terra de Uz: “Você costuma ouvir o conselho secreto de Deus?” (Jó 15.8). Uma coisa está ligada à outra: aquele que sufoca a piedade diminui sua devoção, não tem como ouvir a voz de Deus. E deixar de ouvir o conselho de Deus é uma loucura. Por meio de sua voz, Deus consola quando há tristeza, Deus indica o caminho quando há confusão mental, Deus encoraja quando há desânimo, Deus acusa quando há pecado, Deus oferece perdão quando há culpa no coração, Deus dá idéias quando a mente está vazia.
Existe uma correlação entre a palavra de Elifaz e a parábola do semeador. No caso da semente lançada entre espinhos, foram “a preocupação desta vida e o engano das riquezas” que sufocaram a semente do evangelho, tornando-a desastrosamente infrutífera (Mt 13.22). São essas mesmas coisas que sufocam também a piedade religiosa. A correria é tal que não há tempo nem para ouvir a voz de Deus nem para falar com ele. Por mais absurdo que pareça, às vezes é a correria eclesiástica que atravanca o exercício da piedade, transformando-a danosamente em mero ativismo.

(Revista Ultimato )

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