Três inimigos
Albergo três inimigos, três sentimentos que me espreitam nas esquinas das madrugadas: fracasso, impotência e culpa. Lido mal com as inadequações, sofro com a fraqueza e arquejo debaixo do peso dos erros.
As exigências sociais me deixam arfando. Fatigado, não me sinto apto. Sou calouro desafinado, buzinado nos poucos minutos da apresentação. Piso na bola à poucos metros da linha do gol. Gaguejo na entrevista. Tropeço em cadarços soltos. Não consigo subir os degraus da piedade. Continuo em falta com a divindade. Sou um constrangimento religioso. Depois de décadas, nada poupei para a velhice. Frustrei os anseios paternos. Constrangi mamãe em seus últimos dias de vida. Despedaço o ícone que fizeram de mim. Não dou vida ao mito. Anseio permanecer comum. Rasgo o simulacro da personagem que apresento nos palcos.
Admito a minha impotência. Dispo-me da capacidade dos ungidos. Não consigo decretar milagre. Fico sem encabrestar o meu próximo. Meus argumentos não passam de arrazoamentos inconvincentes. Nada me chega fácil. Aprendo devagar. Esqueço o que decorei. Não me antecipo aos incidentes. Não controlo o porvir. Desconheço a saída do labirinto.
Os erros passados me aterrorizam. Sou melancólico. Pressinto que transgredi a lei, maculei a eternidade, constrangi estatutos infinitos. A maldade dos outros é mínima; sou pior. Os erros dos outros, irrelevantes; sou pior. Cabisbaixo, procuro a penitência mais adequada para o meu pecado.
Depois de admitir-me fracassado, impotente e culpado, faço as pazes com a minha alma. Pergunto: quem estabeleceu uma régua para eu me medir? Quem me outorgou o mandato de controlar as variáveis incontroláveis do universo? Qual o sentido deixar que a culpa me atole na lama da autocomiseração?
Não preciso desempenhar para ser precioso. Não preciso manipular para experimentar liberdade. Não preciso ser perfeito para despistar o remorso. Levanto a cabeça. Sei que o meu valor não depende de alcançar a perfeição. Pisoteio o fracasso, desdenho a impotência e faço da culpa uma aliada para recriar o futuro.
Soli Deo Gloria
SEMPRE É BOM TER A COMPANHIA DE JESUS !!!
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